Histórias com X

Estas histórias são testemunhos sinceros que têm como objetivo partilharem as tristezas, alegrias e preocupações de pais com filhos com a Síndrome do X Frágil.

Embora, não sendo pai ou mãe, mas é educador, professor, amigo, familiar ou mesmo vizinho de uma criança, jovem ou adulto com esta síndrome e acha que tem algo a partilhar connosco, envie-nos a sua “História com X” para a colocarmos neste espaço.



Helena Domingos/ Miguel Faria
março de 2013

Vou falar um pouco de mim e do que têm sido a nossa vida com esta bênção que Deus nos encarregou de educar.

Tenho dois meninos, o Rodrigo muito jeitoso e crescido do alto dos seus 12 anos e o Miguel que irradia uma luminosidade maravilhosa, e que enche os nossos dias de alegria, e também por vezes de muita angústia, mas isso…faz parte!

O nosso pintinhas nasceu no dia 08 de Março de 2002, em Set. de 2004 já estava diagnosticado. Faz-me imensa confusão saber de situações em que os meninos (estes mais novitos) são diagnosticados só na altura do 1º ciclo. Eu tive uma luta tremenda com a Pediatra, que me dizia estar a misturar  águas, e as crianças têm comportamentos diferentes...dizia  ela que estava a comparar o bebé "frágil" (era mesmo) com o mano, que aos seis meses fazia puzzles com 3 peças...

Eu nunca quis muito ser mãe, nunca tive aquele gostinho por crianças, e a maioria das minhas amigas já têm filhos na universidade. No entanto apaixonei-me pelo mais velho e quis logo outro... para brincarem, e serem companheiros... e é um amor eterno, sem dúvida.....

Hoje tenho uma forte convicção de que nada é por acaso e acho que o Miguel nos escolheu. Ele sabia que ia ter condições connosco para vir ao mundo do modo que veio, este mundo, esta sociedade que trata tão mal estes filhos adorados de Deus....

O Miguel teve psicomotricidade desde os três anos, fez terapia ocupacional, e terapia da fala até há dois anos.

Conseguimos que fosse muito bem aceite num colégio, foi tudo muito bem explicado e lá está, feliz com os seus amiguinhos, ADORA a professora, e claro está, nem sempre temos dias azul  bebé, por vezes corre bastante mal,  e, então, tenho de ouvir  o Miguel fez, o Miguel bateu... mas, ninguém (os colegas) se apercebe dos xixis (ou pior) na roupa, e ele está feliz.

"Um dia quando olhares para trás, verás que os dias mais belos foram aqueles em que lutaste."
Sigmund Freud


Catarina Afonso/ Terapeuta da Fala
junho de 2013

Em 2008 iniciei a minha odisseia com o Sérgio*. Na altura, ainda acompanhado por outra terapeuta, sentei-me ao lado dele a observar o seu desempenho nas diferentes tarefas que eram realizadas com ele e, gradualmente, o Sérgio foi sendo capaz de olhar para mim e de tentar, ainda que ao de leve, estabelecer uma interação.

Nas primeiras sessões que tive com ele limitei-me a continuar o trabalho que tinha sido programado. Era, na altura, uma criança com muitas dificuldades ao nível da linguagem, ou seja, fazia erros na nomeação de imagens e apresentava dificuldades na utilização do vocabulário adequado à conversação, fazendo frases muito confusas e não sendo capaz de partilhar acontecimentos do seu dia a dia.

Nessa altura, o Sérgio estava a aprender a ler/escrever através do método sintético e nada daquilo me fazia sentido. As evoluções não eram visíveis. Num sábado, numa conversa informal com a mãe no final da sessão, constatámos que tínhamos que fazer alguma mudança. Foi a própria mãe do Sérgio (e que mãe esta!) que me perguntou se não podíamos experimentar mais nada. Lembrei-mo do método das 28 palavras e apesar de nunca o ter aplicado lancei-me na aventura de pesquisar e estudar ao máximo a sua aplicação.

No ano letivo 2009/2010, iniciei um trabalho específico com este método, o qual tem como base o método global e pretende partir do todo, da palavra, para o específico, sílaba ou grafema. O Sérgio ficou mais do que animado quando viu que ia ter um livro só para ele e que ia aprender tudo aquilo que estava naquelas páginas. No início adorava folhear o livro e perguntar “Catarina, vamos dar estas palavras todas? Achas que eu vou conseguir aprender tudo isto?”. Sempre lhe disse que sim e na realidade estava certa!
Fomos trabalhando palavra a palavra, sempre com o apoio da imagem e fazendo um trabalho direto e imediato com a sílaba para uma mais rápida generalização. Claro que nem tudo foram rosas e houve momentos em que o Sérgio ficava desmotivado e frustrado porque não estava a conseguir ler/escrever, dizendo: “Não consigo! Eu não consigo fazer isto! Faz tu!”.

Mas a verdade é que foi conseguindo, com mais facilidade numas palavras do que noutras, mas atualmente e passados mais de quatro anos, o Sérgio está cada vez mais autónomo na leitura/escrita de palavras, frases e textos. Claro, que para tudo isto, foram precisas muitas horas para construir todo o material específico para o Sérgio mas tudo isso valeu a pena.

Com este testemunho, a mensagem que quero passar é que por mais negra que nos possa parecer a situação há que insistir e com o trabalho de equipa com a escola / família e com a estratégia indicada para cada caso, cada criança com Síndrome de X Frágil será capaz de conquistar o mundo e, como o Sérgio diz, “Qualquer dia já posso tirar a carta”.

* O Sérgio nasceu a 12 de Julho de 1998. Começou a andar aos 12 meses, deixou a fralda de dia aos 3 anos e  tem enurese noturna (emissão involuntária de urina). Começou a ter Terapia da Fala aos três anos e meio.  Dizia palavras soltas, não sabia construir frases. A  idade mental dele era de uma criança de 28 meses.

"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós, deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."
Saint Exupéry


Sandra Santos/ André Santos
setembro de 2013

Passados 2 anos do diagnóstico, quando olho para o André ainda não consigo deixar de imaginar que tipo de menino seria se aquele cromossoma não tivesse crescido demais ou ganhasse umas perninhas extras! Meu Deus seria de certeza um menino fantástico, educado estudioso e com um coração de ouro.

Sempre teve um desenvolvimento normal, iniciou a marcha com 15 meses deixou a fralda por volta dos três anos, no entanto houve sempre pequenos pormenores que me deixavam alerta, por exemplo hipersensibilidade auditiva.

O nosso caminho começou por volta dos 3 anos quando começaram a aparecer os primeiros sinais de hiperatividade e problemas de linguagem. Nesta altura dizia muito poucas palavras e era impossível mantê-lo numa atividade sentado numa mesa.
O pediatra desvalorizou sempre todas as questões e procurei então outro tipo de ajuda.

Na primeira consulta de pedopsiquiatria foi diagnosticado com défice de atenção e iniciou terapia da fala e ocupacional. Foi mais tarde sinalizado como aluno NEE e iniciou também a intervenção precoce no infantário. Os avanços foram-se fazendo lentamente enquanto eu ia percebendo que não iria acordar um dia e ele ia estar diferente. Todos os apoios eram isso mesmo, simplesmente ajudas, e não tratamentos que o iam curar com o tempo. Entrou para o ensino básico regular na idade normal e foi nesse ano já com 6 anos que conseguimos dar um nome a todas as dificuldades do André, Síndrome de X Frágil.  Para mim foi o fim de uma etapa, a etapa das dúvidas, das frustrações, dos medos e o início de uma nova vida, uma vida diferente da que eu tinha programado, o que estava reservado para mim era ser uma mãe “especial” e no fundo eu acho que sempre soube.

Atualmente o André tem 8 anos, está no 3º ano do 1º ciclo, é uma criança com muitas dificuldades de aprendizagem mas que tem cumprido os objetivos que lhe têm sido propostos, já consegue ler com ajuda e escreve todas as letras do alfabeto. Relaciona-se bem com os amigos, é dócil, educado e cumpre as regras embora nem sempre de bom grado. É autónomo nas tarefas do dia-a-dia mas tem que ser supervisionado pelo adulto para se vestir e fazer a sua higiene pessoal.

Valoriza imenso a família sente-se que nos ama e faz questão de o dizer muitas vezes. Tem o olhar de uma criança muito feliz e de bem com a vida. Todas as vitórias têm um sabor muito especial e aos poucos tem conseguido superar barreiras. Diz que quando for grande quer ser polícia para passar multas.

Vivemos um dia de cada vez desfrutando de cada momento nunca esquecendo a nossa missão, fazer felizes os nossos filhos.
Aproveito para agradecer a todas as pessoas fantásticas que tem passado pela vida do André, educadores, professores, terapeutas, auxiliares de educação, pois todos eles contribuíram para que ele desse sempre o seu melhor.

Às mães e pais que virão e que lerem este testemunho desejo força e coragem para enfrentarem o desafio e acreditem nos vossos filhos pois eles dão-nos as maiores alegrias deste mundo, são seres humanos incríveis capazes de transmitir afeto como ninguém.

Cabe-nos a nós pais aceitá-los como são e demonstrar ao mundo o orgulho que temos nos nossos filhos, porque apesar de todas as dificuldades que imperam eles conseguem ir sempre mais além.

“Há homens que lutam por um dia e são bons; há outros que lutam por um ano e são melhores; há outros, ainda que lutam por muitos anos e são muito bons; há, porém, os que lutam por toda a vida, estes são os imprescindíveis.” Bertold Brecht


Helena Domingos/ Miguel Faria
outubro de 2014

No ano letivo passado, quando deram os descobrimentos o Miguel ficou muito indignado.

Chegou um dia a casa a contar que os senhores que descobriram o Brasil eram uns totós e uns burros. Já viste mãe, dizia ele, aqueles burros iam para a Índia, enganaram-se no caminho e foram parar ao Brasil...

Também está sempre a dizer à professora de Francês que ADORA CHANFRÊS.

Outra situação não tão engraçada é a mania dele em se apresentar às senhoras das lojas, dizendo:

- Olá, eu sou o Miguel Faria e esta é a minha mãe Lena. Vá, vá, dêem um
beijinho…


Célia Colaço/ Tiago Carriço
outubro de 2014

- O Tiago gosta muito de jantar "carrochos"- ou seja, cachorros;

- De manhã quando se levanta, pergunta sempre quem faz anos hoje e diz " eu adoro festas de anos";

- Ultimamente, quando me zango com ele , responde-me "eu tou de olho em ti!";

O Tiago, quando estamos  para sair de casa, é sempre o primeiro e se alguém fica para trás ainda a fazer algo, apressa-nos com "despacha-te homem/mulher, mexe a bunda".


Helena Tavares/ Filipe Tavares
outubro de 2014

O Filipe é muito comunicativo, está sempre pronto a participar nas aulas e a responder às perguntas dos professores.
No 2º ano começou com aulas de inglês na escola, e na primeira aula, após as respectivas apresentações da professora e dos alunos, a professora perguntou quem é que sabia falar inglês.

O Filipe pôs logo o dedo no ar, todo contente e a professora perguntou-lhe:

- Filipe, sabes falar inglês?
- Sei.
- Então, o que é que sabes dizer em inglês?
- Fuck you man.

Como devem imaginar a professora não gostou lá muito, mas os colegas adoraram.

"Nós não devemos deixar que, as incapacidades das pessoas nos impossibilitem de reconhecer as suas habilidades."
Hallahan e Kauffman


Maria Manuel Parrinha/ Francisco Parrinha
outubro de 2014

O Kiko, embora não fale, tem uma memória visual muito boa. Muitas vezes, devido ao autismo, parece que não repara em nada, mas tudo o que lhe interessa fica registado na sua memória. Em janeiro deste ano, fomos ao Hospital de Sta Maria por causa de um exame ao estômago que ele estava a fazer. Entrámos na sala de espera de Técnicas de Pediatria, onde estavam alguns adultos com os respectivos filhos. Na sala havia uma mesa grande cheia de livros, jogos e puzzles, tudo desarrumado e umas coisas em cima das outras. Ele sentou-se à mesa e tirou um puzzle,  do qual só se via uma pequena parte, pois em cima tinha imensos livros. Ele começou a fazer o puzzle, mas faltava uma peça, levantou-se e foi buscar a peça que faltava debaixo de uma pequena cadeira que estava à entrada da sala de espera. Isto significa que, quando ele entrou na sala, viu logo a peça, no entanto, a cadeira era baixa, é para crianças e ele já tem quase um 1,80m.


Helena Simões/ Sérgio Simões
outubro de 2014

O Sérgio é um jovem muito bem educado, sempre que chega a algum local ou a casa de alguém, cumprimenta todos os presentes.

No ano passado, através da escola que frequenta, ele esteve a trabalhar numa frutaria. Todos o adoraram e ele também gostou muito de lá trabalhar.

Um dia, ele chegou triste a casa, pois, alguns clientes da frutaria, ao entrarem, não o cumprimentavam. Enquanto que para nós, estes clientes seriam mal educados, para o Sérgio, o facto de o não cumprimentarem, era sinal de que não gostavam dele. Há pequenos gestos tão insignificantes para nós, mas para os nossos filhos são de uma importância enorme.

Bom dia,  dormiste bem mãe?
Sim filho, dormi bem. E tu?
Não dormi nada bem mãe. Gosto muito de ti, mãe.
Eu, também, gosto muito de ti filho mais lindo do mundo.

Aqui está o nosso diálogo de todoooooos os dias.


Cláudia Jesus/ Rodrigo Gomes
outubro de 2014

O Rodrigo sempre (sempre, mesmo!!) que vamos ao supermercado temos que ir à padaria e nunca (nunca, mesmo!!) pagamos o pão. Ele tira a senha e espera pela vez dele, mas quando chega o nosso número, põe a mão na barriga e diz com a cara e com os olhos mais deliciosos do mundo – “Tenho tanta fome! Queria aquele pão branquinho ali!”. Claro que as senhoras não resistem e dão-lhe sempre pão. E até começaram a vir fora do balcão para ele agradecer e dar um beijinho.
Irresistível!!

Todos os dias, sobretudo pouco antes de ir dormir, o Rodrigo vira-se para mim e, com os braços bem abertos e um sorriso único, diz: “Mamã, dá cá um abraço! Adoro os teus abraços, são tão fofinhos!”. Uma delícia que me enche o coração!!


Sandra Santos/ André Santos
outubro de 2014

Esta semana pude presenciar um momento que me encheu o coração ao ver o meu filho com os amigos da escola. Ele estava sem casaco e eu da entrada da escola avisei-o para o vestir, daí a nada veio um colega e tirou-lhe o casaco, pensei, o que estará a fazer?! Logo depois percebi que o menino lhe estava a tirar o casaco para o ajudar a vestir do lado correto, pois ele tinha-o vestido do avesso sem perceber.

Um beijo muito grande a este lindo menino. E assim acreditamos que o mundo será cada vez melhor e que a inclusão nas escolas faz todo o sentido e vale muito a pena.   
              
Por alguma razão, o André zangou-se na escola, então na sala de aula resolveu escrever uma carta aos amigos a dizer que estava zangado e que se ia embora da escola.

"Inclusão é sair das escolas dos diferentes e promover a escola das diferenças."
Teresa Mantoan


Filomena Silva/ Alexandre Queirós
outubro de 2104

O Alexandre desde que tem a avó em casa, apanhou uns hábitos menos bons. Um deles é chamar gorda, feia e velha a determinadas pessoas. Mas quando ele o faz toda a gente se ri, pois não é zangado que o diz,  chegámos à conclusão que só chama este nome às pessoas de  quem gosta.

Este ano, o Alexandre mudou de escola e está a adaptar-se muito bem, já fez amigos e adora as funcionárias do bloco onde tem aulas.
No outro dia, estava com as funcionárias  e elas falaram do professor que chegou atrasado à aula e disse ele de repente " Andou no laró".

O diretor da escola  passou e saiu pelo portão de trás para ir almoçar, elas disseram-lhe quem era aquele senhor e ele perguntou "Vai arejar?".


Vítor Barradas/ André Barradas
novembro de 2014

O meu filho André, já com 14 anos, oferecia muita resistência para ir para a escola, mas a muito custo lá ia contrariado. Então num determinado dia, o artista, levantou-se de madrugada e enquanto dormíamos, apanhou toda a roupa que era costume usar na escola, já arrumada no armário e colocou-a na nossa banheira. Encheu a mesma com água, deixando toda a roupa submersa. Quando acordámos, deparámo-nos com o cenário enquanto o artista dormia tranquilamente. É caso para dizer: E esta heim!!!

“Nunca se conseguirá ser sábio se primeiro não se foi traquinas.”
Jean Jacques Rousseau